Psicanálise sem tabus, como o próprio nome diz, é um espaço para discutir as questões do desejo, do amor, da vida, sem receio de ferir ou contrariar o estabelecido socialmente. Se você acredita que a moral, a ética e a própria Psicanálise mudam, puxe sua cadeira imaginária e sinta-se em casa.
Coragem diante de uma vida insuportável? Covardia e egoísmo que ferem os entes queridos? Pecado mortal? Muitos mitos rondam o tema do suicídio, motivador de grandes reflexões desde a Antiguidade. Criticado por Platão e Aristóteles, defendido pelos estoicos em situações específicas, promovido à condição de homicídio e pecado mortal pela Igreja Católica, por meio de Santo Agostinho.
Os argumentos para criticá-lo ou
defendê-lo foram muitos. Nietzsche
o respeitava se fosse praticado num bom momento, em que ainda vale a pena viver,
como foi mostrado nos filmes Ensina-me a
viver e Matador, em que os protagonistas
se suicidam no ápice do prazer e da felicidade. No ápice do mais de gozar.
Para Freud e Lacan, uma forma de
sublimar o desejo de matar o outro. Quantos amantes não cogitam a ideia de
morrer quando o fim do relacionamento amoroso esvazia o mundo ao redor? Na
realidade é quem os deixa num “deserto” que os amantes em luto desejam matar.
Mas o objeto do desejo pode ser um
ideal. O sentimento de não ter um lugar
no mundo, a incapacidade de lutar contra uma realidade inaceitável. Em Foi apenas um sonho, ao perceber que não
teria forças para viver a vida que julgava ideal, a protagonista se suicida,
pois já se sentia morta, ou como se diz em Psicanálise, deslibidizada. O
suicídio pode ocorrer também por conta de um estado de demência, como a
bailarina Nina de Cisne negro, por
uma melancolia profunda ou para escapar de uma vida socialmente inviável, como
no cult Thelma e Louise.
Para Freud, a forma de morrer era uma
simbologia do desejo. Atirar-se de uma janela, por exemplo, pode representar o
sentir-se excluído.
Podemos pensar o suicídio de Thelma e Louise, jogando o carro do
Grand Canyon, como um gozo. Elas conferem um toque de “heroísmo” a vidas
marcadas pela injustiça e pela incapacidade de ressignificá-las.
Lacan via o suicídio fora da esfera
moral e sim como um ato humano. Ato humano no sentido de transformar o sujeito.
Nunca somos os mesmos depois de um ato humano.
Para a Psicanálise, o suicídio não é
homicídio nem coragem, pois tendemos à morte. Christian Dunker defende a importância da passagem
pela palavra para impedir o suicídio ou ao menos lhe conferir dignidade. Mas
como tabu, muitas vezes, esta passagem é inviável.
A série do Netflix 13 reasons why trouxe à tona a importância de debater o tema entre
os adolescentes, o que é muito positivo. Por outro lado, a produção pode tocar
a subjetividade de alguns jovens, colocando o suicídio como uma saída sedutora.
Talvez, não seja coincidência, o
suicídio ter se banalizado em nossa sociedade com valores cada vez mais
individualizados. O que impede de transformar a própria morte em espetáculo
como Thelma e Louise ou em um “Não sou obrigado a aguentar” como em 13 reasons why? Pensar o suicídio
atualmente é pensar na própria supremacia do desejo. Para o senso comum,
trata-se de algo imoral ou admirável. Para a Psicanálise talvez seja uma
questão ética. Altamente indesejável, mas ainda sim ética.
Sílvia Marques é psicanalista, professora, escritora e atriz. Apaixonada por dias de chuva, música alta, muito café, vinho barato, filmes e pessoas profundas, conversas insanas.
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