sexta-feira, 23 de junho de 2023

O suicídio como escolha ética

 Psicanálise sem tabus, como o próprio nome diz, é um espaço para discutir as questões do desejo, do amor, da vida, sem receio de ferir ou contrariar o estabelecido socialmente. Se você acredita que a moral, a ética e a própria Psicanálise mudam, puxe sua cadeira imaginária e sinta-se em casa.


Coragem diante de uma vida insuportável? Covardia e egoísmo que ferem os entes queridos? Pecado mortal? Muitos mitos rondam o tema do suicídio, motivador de grandes reflexões desde a Antiguidade. Criticado por Platão e Aristóteles, defendido pelos estoicos em situações específicas, promovido à condição de homicídio e pecado mortal pela Igreja Católica, por meio de Santo Agostinho.

Os argumentos para criticá-lo ou defendê-lo foram muitos. Nietzsche o respeitava se fosse praticado num bom momento, em que ainda vale a pena viver, como foi mostrado nos filmes Ensina-me a viver e Matador, em que os protagonistas se suicidam no ápice do prazer e da felicidade. No ápice do mais de gozar.

Para Freud e Lacan, uma forma de sublimar o desejo de matar o outro. Quantos amantes não cogitam a ideia de morrer quando o fim do relacionamento amoroso esvazia o mundo ao redor? Na realidade é quem os deixa num “deserto” que os amantes em luto desejam matar.

Mas o objeto do desejo pode ser um ideal.  O sentimento de não ter um lugar no mundo, a incapacidade de lutar contra uma realidade inaceitável. Em Foi apenas um sonho, ao perceber que não teria forças para viver a vida que julgava ideal, a protagonista se suicida, pois já se sentia morta, ou como se diz em Psicanálise, deslibidizada. O suicídio pode ocorrer também por conta de um estado de demência, como a bailarina Nina de Cisne negro, por uma melancolia profunda ou para escapar de uma vida socialmente inviável, como no cult Thelma e Louise.

Para Freud, a forma de morrer era uma simbologia do desejo. Atirar-se de uma janela, por exemplo, pode representar o sentir-se excluído.

Podemos pensar o suicídio de Thelma e Louise, jogando o carro do Grand Canyon, como um gozo. Elas conferem um toque de “heroísmo” a vidas marcadas pela injustiça e pela incapacidade de ressignificá-las.

Lacan via o suicídio fora da esfera moral e sim como um ato humano. Ato humano no sentido de transformar o sujeito. Nunca somos os mesmos depois de um ato humano.

Para a Psicanálise, o suicídio não é homicídio nem coragem, pois tendemos à morte. Christian Dunker defende a importância da passagem pela palavra para impedir o suicídio ou ao menos lhe conferir dignidade. Mas como tabu, muitas vezes, esta passagem é inviável.

A série do Netflix 13 reasons why trouxe à tona a importância de debater o tema entre os adolescentes, o que é muito positivo. Por outro lado, a produção pode tocar a subjetividade de alguns jovens, colocando o suicídio como uma saída sedutora.

Talvez, não seja coincidência, o suicídio ter se banalizado em nossa sociedade com valores cada vez mais individualizados. O que impede de transformar a própria morte em espetáculo como Thelma e Louise ou em um “Não sou obrigado a aguentar” como em 13 reasons why? Pensar o suicídio atualmente é pensar na própria supremacia do desejo. Para o senso comum, trata-se de algo imoral ou admirável. Para a Psicanálise talvez seja uma questão ética. Altamente indesejável, mas ainda sim ética. 



Sílvia Marques é psicanalista, professora, escritora e atriz. Apaixonada por dias de chuva, música alta, muito café, vinho barato, filmes e pessoas profundas, conversas insanas. 






Nenhum comentário:

Postar um comentário