segunda-feira, 10 de julho de 2023

Não se contente com menos do que a felicidade

 Psicanálise sem tabus, como o próprio nome diz, é um espaço para discutir as questões do desejo, do amor, da vida, sem receio de ferir ou contrariar o estabelecido socialmente. Se você acredita que a moral, a ética e a própria Psicanálise mudam, puxe sua cadeira imaginária e sinta-se em casa. 


Analistas e intelectuais sisudos adoram dizer que a felicidade e a liberdade não existem,  que são utopias, enquanto bebem e comem do bom e do melhor e usufruem de uma vida cheia de holofotes e possibilidades de todas as naturezas.

Sim, felicidade com gosto de chocolate todos os dias não é possível. Liberdade irrestrita é um mito. Estamos sujeitos às circunstâncias. Estamos sujeitos às nossas próprias limitações e acima de tudo, à liberdade alheia que, em muitos casos, escolhe restringir a nossa liberdade.

Primeiramente, preciso fazer uma distinção entre felicidade e alegria. Já fiz esta distinção em outras oportunidades, mas uso a minha liberdade agora para fazê-la novamente. É totalmente possível se definir como alguém feliz no pior dia da sua vida, no dia em que todos decidiram te dizer não e virar as costas para você. É totalmente possível  se definir como alguém feliz no dia de uma grande perda, de uma grande decepção. 

O que chamamos de felicidade, para mim, na realidade é alegria. Uma pessoa infeliz também vive dias alegres. Uma pessoa infeliz pode rir e se divertir em uma festa ou diante de uma boa notícia. O feliz pode chorar e sofrer sem perder a consciência de que tem uma boa vida e de que está apenas passando por um mau momento ou por um momento triste. 

Alegria é entusiasmo, glitter, fogos de artifício. Alegria tem gosto de espumante saboreado na entrada do novo ano. Felicidade é a consciência de que estamos fazendo as melhores escolhas e de que dentro da nossa liberdade limitada, estamos vivendo a melhor vida que nos é possível. 

Quase sempre a alegria vem de fora, é proporcionada pela ação do outro. A felicidade é um processo mais nosso, mais interno, menos eufórico. 

Quando alguém busca uma análise, jamais deveria se conformar em ser menos infeliz. Foi assim que eu procurei a minha. Não pensava em felicidade, pois não acreditava que ela seria possível para mim. Queria apenas parar de sofrer e de preocupar quem eu mais amava e quem mais me amava.

Porém, no decorrer do processo, vi que queria e que podia mais: optei pela felicidade. E mesmo nos dias mais sombrios, mesmo quando me deparo com as piores dificuldades e com as pessoas mais convictas da inevitabilidade da infelicidade, lá no fundo, continuo sabendo que a vida e que uma análise podem nos fornecer muito mais.







Sílvia Marques é psicanalista, professora, escritora e atriz. Apaixonada por dias de chuva, música alta, muito café, vinho barato, filmes e pessoas profundas, conversas insanas. 






sexta-feira, 7 de julho de 2023

Em tempos de não escuta , analista tem que ser amigo.

 Psicanálise sem tabus, como o próprio nome diz, é um espaço para discutir as questões do desejo, do amor, da vida, sem receio de ferir ou contrariar o estabelecido socialmente. Se você acredita que a moral, a ética e a própria Psicanálise mudam, puxe sua cadeira imaginária e sinta-se em casa. 


Sim, você leu corretamente o título do post. Toda aquela conversa de neutralidade que envolve a figura do analista virou ou está virando embalagem de miojo vencido , jogado no canto da prateleira da despensa.

Em uma época de relações líquidas e ultra narcísicas, em que ninguém mais escuta, em que as pessoas simplesmente esperam a hora de falar, está muito difícil encontrar alguém com tempo e disposição para acolher a demanda do outro.

Se o amigo lamenta, ele rouba a energia. Se ele conta algo bom, ele é exibido. Se ele fala do seu trabalho, nada a ver. As pessoas querem estar juntas, mas sem verdadeiramente se comunicarem.  Nos deparamos com flashes de monólogos que nada tem a ver com uma troca afetiva.

Cabe ao analista ser esta pessoa que escuta. Mais do que isso. Cabe ao analista ser esta pessoa que escuta com afetividade e que intervém com empatia. 

O analista, atualmente, é muito mais do que um profissional que cuida da nossa saúde mental. Ele é alguém que participa da nossa afetividade, que nos mostra que não estamos sozinhos no mundo, que podemos contar com ele fora do horário da sessão.

Sim, o analista está se tornando um amigo de luxo. Alguém que realmente se importa com a gente e que deseja o nosso sucesso acima de tudo. 

Como analista, eu já vivo esta realidade. Me interesso cada vez mais por um tipo específico de analisando: o analisando capaz de despertar a minha real afetividade. O analisando que chamaria para tomar um café em minha casa. O analisando que me faz esquecer de que estou atendendo. Que me faz sentir que estou simplesmente vivendo ao falar com ele.

Acredito totalmente no valor da contratransferência. Mas esta contratransferência deve conter sentimentos empáticos. Ela deve estar alicerçada na mais pura confiança e parceria, a ponto de um analisando perguntar sinceramente preocupado para o seu analista: Você está bem hoje? 






Sílvia Marques é psicanalista, professora, escritora e atriz. Apaixonada por dias de chuva, música alta, muito café, vinho barato, filmes e pessoas profundas, conversas insanas. 






quinta-feira, 6 de julho de 2023

Psicanálise é para os incomodados

 Psicanálise sem tabus, como o próprio nome diz, é um espaço para discutir as questões do desejo, do amor, da vida, sem receio de ferir ou contrariar o estabelecido socialmente. Se você acredita que a moral, a ética e a própria Psicanálise mudam, puxe sua cadeira imaginária e sinta-se em casa. 


Sim, Psicanálise é para os incomodados. Pela sabedoria popular, os incomodados que se retirem. Concordo. Os incomodados com a própria mediocridade, com a mediocridade alheia que se retirem para o lugar privilegiado que é o da análise.

Lugar simultaneamente de aconchego e desconforto, de acolhimento e confrontação. Quem acha que está bem, quem acha que fez e faz as melhores escolhas, quem não questiona as próprias escolhas, quem não se questiona, quem se leva a sério demais e não vê nada de errado em si, vai perder tempo e dinheiro indo ao analista.

Enquanto não olharmos para a nossa própria sombra , ela continuará nos violando todas as noites e ao amanhecer, pensaremos que foi o outro quem nos violou.

Desde que o mundo é mundo, as pessoas se dedicam ao seu esporte favorito: machucar uns ao outros. Portanto não nego a existência de pessoas que, até podem ser maravilhosas com outras, mas que por alguma razão, são horrorosas com a gente.

Não nego a existência de incidentes que nos tiram do prumo. Não nego que a realidade pode ser bem cruel. Mas acima de tudo, defendo a ideia de que nada nem ninguém pode ser maior do que a nossa vontade de fazer a diferença na nossa própria vida.

Quando buscamos a análise, devemos estar cientes de que independente daquilo que nos acontece, daquilo que nos fazem, cabe a nós  encontramos e criarmos as melhores soluções para os nossos conflitos e demandas. 

Construir e fazer a manutenção da própria felicidade é um projeto pessoal, um projeto que não pode ser terceirizado. Mas quem quiser trazer a própria felicidade para tomar um vinho com a minha, será muito bem-vindo! 






Sílvia Marques é psicanalista, professora, escritora e atriz. Apaixonada por dias de chuva, música alta, muito café, vinho barato, filmes e pessoas profundas, conversas insanas.